Os últimos dias têm sido marcados por uma violência atroz, o que nos faz por em causa os valores da humanidade e o ponto centrípeto para onde resvalamos vertiginosamente. Contudo, houve uma notícia que me prendeu mordazmente a atenção, por esta ter coagido as cordas nobres da justiça a gritar dolentemente, o caso de Ashley Diamond.
Ashley, o seu nome de baptismo, desde os seus 6 anos de idade que se assume como uma menina, iniciando assim mais tarde aos 17 anos uma terapia hormonal para levar a cabo um processo de transição de género. Todo este processo complexo aos olhos da sua família, fez com que esta a ostracizasse e a expulsasse de casa, tendo assim procurado o conforto juntamente a um amigo gay, Charles Neal Sumlin, que também fugira da opressividade e malevolência familiar. Posteriormente, Ashley, desenvolveu uma carreira profissional de “transformista de cabaret”, onde no clímax da sua fama interpretava Whitney Houston. Porém, com as adversidades da vida, Ashley foi detida em 2012, com 33 anos, condenada a uma pena de e 11 anos de prisão por ser autora de crimes de roubo e falsificação, catalogados nas palavras da juíza que confirmou a sentença como “crimes de sobrevivência”. Durante o período em que esteve encarcerada, a referida terapia hormonal, administração de estrogénio, progestinas, bloqueadores de testosterona e outros esteróides anti-androgénicos, foi-lhe ilegalmente proibida.
Como se já não bastasse o aqui vertido, a mesma, foi encarcerada em alas masculinas e sujeita a violência física, psicológica e abusos sexuais, cujos pormenores sórdidos e hediondos no seguimento de Ashley “fingir que é uma mulher” vos vou poupar! Tudo isto foi um catalisador para o despoletar de uma discussão acesa sobre o desrespeito, discriminação e violação dos direitos humanos da população LGBT que fez com o Departamento de Justiça interviesse a seu favor numa queixa interposta contra o sistema prisional do estado da Georgia. Destarte, o tempo é implacável, e, todas estas mazelas emocionais já foram materializadas.
Conforme descreve o The New York Times o “ciclo de desfeminização deliberada” de Ashley teve início com a sua entrada no sistema prisional, precisamente na fase de processamento, em que é feita uma avaliação individual. Neste estádio, os serviços recusaram registá-la como uma mulher transgénero, vedando dessa forma o acesso à terapia hormonal. Associado a este cenário, a Ashley foi ainda proibida de se identificar como mulher ou de usar indumentárias femininas tendo sido enviada para uma ala masculina, apesar dos “fatores de risco”, fatores estes autores das maiores atrocidades a que foi sujeita.
Embora não subsistam atualmente dúvidas em identificar toda a inconstitucionalidade que subjaz a este caso, no que diz respeito ao tratamento da reclusa e, o seu direito à terapia hormonal, todo este iter criminis é, irreversível! Um caminho feito com passos dolosos e empedernidos, com requintes de malvadez, desrespeitosos pelo ser humano e pelo seu livre arbítrio. Faz-me lembrar um dos discursos mais sáfaros, maniqueístas e egoístas de sempre, onde a homossexualidade é vista como uma doença e não como uma variante do comportamento sexual. Julgamos uma pessoa pela sua sexualidade e depois não queremos ser julgados pelo nosso carácter? Porque é que havemos de odiar uma pessoa pela sua forma de amar só porque é diferente da nossa?
Acho que amor está a ficar tão rasteiro que nem o vento dá por ele, a humanidade necessita de perceber a ambivalência e a riqueza da diferença, e entender acima de tudo que é através dela que nasce o respeito. O amor não é dualista, tem várias formas e dimensões, não sejamos prepotentes por favor!
Escreve, também, para o P3, noticiasportugalnews e para o seu blog.