João Almeida Moreira – Jornalista – BRASIL

João Francisco dos Santos de Melo de Almeida Moreira tem 40 anos e é natural de Lisboa. Formado em Ciências da Comunicação, pela UAL, mora em Ribeirão Preto-SP. Trabalhou em jornais de referência como o DN, Público, Record e i. Atualmente, é correspondente freelance dos jornais A Bola e Expresso, do site Dinheiro Vivo e da TV Cultura (Brasil). Está há dois anos e oito meses no Brasil e esteve à conversa com o ICote do outro lado do Atlântico.

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João está no Brasil há dois anos e oito meses

– Como surgiu a oportunidade de ir para o Brasil?

Não surgiu oportunidade, foi uma decisão pessoal. Só a seguir falei com jornais a perguntar se tinham interesse em ter um correspondente no país. Vim com a minha mulher, luso-brasileira, o que facilitou.

– Já conhecias alguém no Brasil quando partiste?

Apenas a mãe dela e o marido, além de meia dúzia de conhecidos.

– Quais os maiores choques culturais que encontraste?

Em São Paulo, a cidade para onde fui inicialmente, o choque principal foi o tamanho da cidade (além de gigante em área, 30 milhões passam por lá diariamente) e o trânsito. Também a falta de cuidado para com os peões (não se pára nas passadeiras), pouca atenção ao lixo na rua, a falta de conhecimento de Portugal e dos portugueses. Ah, e o abuso do ar condicionado. Pela positiva, a simpatia geral das pessoas – é difícil encontrar, sobretudo se for alguém que esteja a atender clientes, um brasileiro antipático. Há muito cuidado com o consumidor, a cidade nunca dorme, o comércio é brutal, há uma sensação de estar numa metrópole, no centro de alguma coisa (que em Lisboa não se tem) toda a gente sai dos empregos e fica nos botecos a beber um copo ou a conversar antes de ir para casa. De resto há apenas pequenas diferenças: o Brasil não deixa de ser uma ex-colónia portuguesa por isso são também muitos os aspetos em comum entre os países.

Ribeirão Preto – SP

– O que é que te custou mais na habituação ao novo país e cultura?

A distância física das coisas, em São Paulo. Perceber a diferença mais acentuada (e triste) entre ricos e pobres do que na Europa. Depois, no início sentimos falta de tudo: das pessoas, dos hábitos quotidianos, dos jornais, dos programas de TV, de vinho, bacalhau e café baratos, por exemplo… Hoje, com o passar do tempo e numa cidade menor, do tamanho de Lisboa, com boa qualidade de vida, bom clima, segurança e conforto, é tudo mais fácil.

– Como defines o povo brasileiro? São simpáticos e hospitaleiros?

Muito simpáticos e muito hospitaleiros.

– Sendo jornalista, quais as maiores diferenças entre o jornalismo brasileiro e português?

A diferença entre um país com 10 milhões de potenciais consumidores e outro com 200 milhões. A TV Globo é um gigante incomparável – calculo que tenha mais jornalistas do que Portugal inteiro – e há mais cinco ou seis grupos enormes – Editora Abril, Grupo Estado, Grupo Folha-UOL, Record, SBT, Bandeirantes, etc… A imprensa séria, embora melhorável, é muito boa e consistente: não tenho dúvidas em afirmar que os três mais fortes jornais da nossa língua são brasileiros, o Estadão e a Folha, ambos de São Paulo, e O Globo, no Rio, além de existirem bons jornais de outros estados e muita comunicação social local razoável (normalmente associada aos grandes grupos, como a Globo, a Band, etc…). A crise no setor também passa por aqui mas os principais jornais, todos centenários ou quase, estão mais preparados para ela. O volume e a diversidade de notícias são gigantescos quando comparados com Portugal, onde me dá ideia, via redes sociais e sites, que anda sempre toda gente a falar da mesma coisa.

– Tens alguma história caricata ou episódio peculiar que nos possas contar?

Um episódio peculiar que já tornei público é que a minha mulher ficou desconfiada de que estaria grávida horas antes do voo para o Brasil. No primeiro dia em São Paulo ela fez um teste de gravidez e no dia seguinte confirmou-se. Semanas mais tarde soubemos que era de gémeos (gémeas, no caso). Tínhamos acabado de chegar, a revolução da paternidade/maternidade e a da emigração sobrepuseram-se. Foram um susto e uma grande aprendizagem em simultâneo.

– De quanto em quanto tempo vens a Portugal?

Fui uma só vez, em setembro do ano passado. A minha mulher ainda não voltou e as minhas filhas ainda não conhecem o país.

O jornalista, entre outras coisas, é correspondente do portal Dinheiro Vivo

– O teu futuro passa pelo Brasil, Portugal ou outro país?

Passa pelo planeta terra, é tudo o que posso garantir. Mais a sério: um ano antes de decidir vir para o Brasil não imaginava que viria, por isso aprendi a não ficar demasiado preso a planos. Depende de convites, de oportunidades. É natural que passe sobretudo por esses dois países, porque trabalho com a língua portuguesa e porque é lá que possíveis empregadores me conhecem melhor, porque é lá que vou conhecendo o mercado e pensando em projetos pessoais. Mas se eu (ou a minha mulher…) tiver uma oportunidade excelente em Nova Iorque, Londres ou noutro lugar que me agrade, vou na hora, se a família estiver de acordo.

– Como vês a situação, no cômputo geral, em Portugal?

Penso que os portugueses vão sair combalidos mas ao mesmo tempo fortalecidos da crise. Penso que havia muita gordura a ser queimada, por mais que isto doa de ouvir. Mas sinto-me, por outro lado, desolado com a falta de exemplos dos nossos líderes. Liderar, como ser pai, é dar exemplos. E os exemplos dados pelas lideranças, não apenas agora, não só de quem está neste momento no poder, não necessariamente de quem está no poder público é, com raras excepções, de chico-espertismo, de falta de decoro, de descaso… De terceiro-mundo, numa palavra.

– Quais os conselhos que darias aos portugueses que queiram ir para o Brasil ou emigrar para outro país?

Que tenham determinação, um pouco de paciência e muito desapego. Que pensem no que estão a ganhar em diversidade e não no que estão a perder com a distância do que já conhecem.

A EQUIPA DO ICOTE AGRADECE AO JOÃO ALMEIDA MOREIRA A DISPONIBILIDADE E SIMPATIA DURANTE TODO O PROCESSO ENVOLVENTE DA ENTREVISTA.