
Joel Lima tem 23 anos, é natural de Guimarães – ‘Cidade Berço’, algo que faz questão de referir – e está na China, em Guyiang, na província de Hunan, perto da cidade de Changsha (uma das maiores do país) há mais de quatro meses. Atualmente, Joel dá aulas de inglês a crianças em idade pré-escolar. Tem a família em Portugal e um tio em Angola. Já visitou Espanha, Estados Unidos e Grécia (onde viveu durante seis meses). Já trabalhou em rádio, na área desportiva. Gostava de fazer carreira no desporto, num meio de comunicação social ou num clube, mas o sonho de Joel é tirar um curso de escrita criativa e trabalhar nos Estados Unidos, de preferência, numa televisão. Estivemos à conversa com Joel, do outro lado do mundo, um jovem culto, sonhador e divertido que tenta ganhar bagagem e know-how na China.
Por quê a China? Como surgiu esta oportunidade?
China, sobretudo por uma razão: A língua. Há algum tempo que ando a analisar algumas oportunidade em Macau, mas quase todas elas pedem, para além do domínio do Inglês, Português (Normalmente preferencial, não obrigatório) exigem também o domínio ou de chinês ou de cantonês. Por este motivo (E não só. Neste momento saber falar chinês pode abrir muitas portas), vinha já há algum tempo a pensar em tirar um curso de chinês. Entretanto vi esta oportunidade num site sobre trabalho no estrangeiro, especialmente para dar aulas em países em desenvolvimento (ou também na área da enfermagem), e interessei-me por este na China porque pareceu-me uma maneira mais eficiente de aprender a língua do país ao mesmo tempo que cultivo também um pouco da cultura local. E depois é sempre uma aventura interessante, como deves imaginar…
Quais os maiores choques culturais que reparaste quando chegaste aí? Custou muito deixar a tua família, amigos e casa?
É assim, custa sempre um pouco. Custa sempre um pouco deixar a vida a que estás acostumado, especialmente para te lançares num país culturalmente tão diferente. É como se tivesse cruzado um portal para outra dimensão. Por exemplo na cidade onde vivo sou o único ocidental, o que é sempre um choque considerável, até porque a maioria destas pessoas nunca viu ninguém como eu, e portanto olham um pouco para ti como se viesses de Marte ou algo do género. Contudo para mim, os principais choques foram especialmente a língua e a alimentação. A língua porque é complicado ao inicio explicares ás pessoas o que pretendes porque 90% ou 95% por certo da população local não fala nenhuma língua estrangeira. A alimentação, porque aqui na província de Hunan as pessoas estão habituadas a comer comida extraordinariamente picante, coisa que a mim “não me assiste”, e portanto tive algumas dificuldades a adaptar o sistema. (Sim, não fui eu que me adaptei ao sistema, foi o sistema que se adaptou a mim. Todos os lugares onde faço as minhas refeições as pessoas já sabem que não podem por picante na minha comida… não foi fácil…)

Depois de ter vivido na Grécia, Joel dá aulas de inglês a crianças de idade pré-escolar na China
Estás a lecionar inglês, sendo um pouco diferente do que ambicionas fazer. É um projeto duradouro? Os ‘miúdos’ aprendem rápido?
Com já disse este projecto tem só e apenas, pelo menos para mim como objectivo pessoal, a finalidade de aprendizagem da língua chinesa, e também de enraizar um pouco da cultura do país. Não é um projecto duradouro até porque não planeio ficar cá mais de 1 ano. O facto de estar a leccionar inglês, neste contexto nem importa de facto para a meta final, poderia estar a fazer outra coisa qualquer que os objectivos eram os mesmos. No entanto, e depois de começar o projecto, tenho a dizer que gosto do que faço, especialmente porque gosto das crianças a quem dou aulas. Não é fácil ensinar-lhes por causa da barreira linguística, mas eles são dedicados e costumas estar sempre bastante entusiasmados nas aulas, e portanto acho que estão a aprender a uma velocidade normal tendo em conta as circunstâncias.
De que é que sentes mais falta de Portugal?
Vai parecer cliché, mas para além do óbvio (Família e Amigos) sinto falta do mar, e sobretudo do clima “Atlântico”. Viver aqui no interior da China, a 2 horas e meia de TGV da praia é um pouco estranho para mim. Já para não falar que o calor dá cabo de mim. Sinto também falta da comida portuguesa, e das nossas bebidas, e claro: café! (Aqui não há expresso, e o que há alguém tem que explicara a esta gente o que é um café expresso). Para terminar, e sem querer parecer fútil: Sinto falta de ver jogos de futebol num ecrã plasma com uma transmissão a sério. O único desporto que apanho aqui em sinal aberto na televisão local é futebol americano, que por essa razão aprendi a acompanhar. Que ninguém me fale em Premier Legue. Futebol para mim agora é NFL…

A ‘pequena’ cidade onde Joel vive tem cerca de 100 mil habitantes, fica perto da cidade de Changsha, uma das maiores na China.
Podes partilhar algumas histórias caricatas que te aconteceram aí?
Tenho algumas. Desde logo o dia em que duas senhoras de meia idade bateram na minha porta e começaram a falar-me algo, que como é óbvio não compreendi e depois de entrarem em minha casa, quando dei por mim estavam sentadas no meu sofá a tirar livros para fora de um saco e foi aí que me apercebi que eram testemunhas de Jeová (É verdade na China também há disso…). Abriram os laptops (Aqui as testemunhas de Jeová são muito mais modernas) e mostraram-me vídeos atrás de vídeos da igreja delas. O que realmente importa é que estiveram em minha casa uma hora, a falar de religião, enquanto eu abanava com a cabeça sem perceber nada do que elas diziam. Mas aqui praticamente tudo é caricato. Por exemplo, é impossível para mim frequentar um estabelecimento comercial de qualquer espécie sem ser fotografado com todos os empregados e clientes do mesmo. O que não é mau de todo, as maioria das vezes ganhas alguma coisa de borla…
Compensa, para os portugueses, ir para a China trabalhar? Como é o mercado de trabalho?
É assim o mercado de trabalho Chinês é enorme, está em crescimento, mas é um mercado de trabalho, nas áreas técnicas, altamente desqualificado. Por isso, para quem tenha vontade e tenha qualificações técnicas de alguma ordem, é um mercado que posso aconselhar. Até porque normalmente pagam bem às pessoas que venham para cá desenvolver essas funções. No entanto, quem quiser arriscar para cá vir tem que ter a noção que vai encontrar um mundo completamente diferente e tem que estar preparado para o primeiro impacto. Mas isto é como entrar em água fria, depois isso passa-vos. Ainda assim o ideal era arranjar uma oferta de trabalho que inclua alojamento, porque, principalmente nas cidade, o mercado imobiliário chinês está neste momento a ficar um pouco caro. Não inacessível, longe disso, mas ainda assim, bem mais caro que os restantes ramos da economia. Depois, mesmo que não tenham um salário extraordinário, se tiveram habitação paga, tenham a noção que mesmo assim praticamente todo o dinheiro que ganhem é praticamente para juntar, porque o custo de vida aqui é extremamente barato. É óbvio que também existem coisas caras, mas para terem uma vida igual à de uma pessoa de classe média, facilmente com 200/250 euros o fazem.
Houve algum hábito chinês que começou a fazer parte do teu quotidiano?
Hábito chinês no meu quotidiano? Acho que não. Mesmo quando vou ao supermercado só compro Coca-Cola, 7Up e Oreos. E os meus restaurantes preferidos continuam a ser o McDonalds, a Pizza Hut e o KFC. Levo o meu dia a dia como levava em Portugal…
É difícil não falar a língua local? As pessoas reagem bem?
A língua chinesa é muito complicada de captar. Para além do número louco de caracteres no abecedário (mais de 3000 julgo), todos eles têm acentuações diferentes que podem mudar completamente o sentido de uma frase. Não é fácil, mas também, como é óbvio, não é nada de impossível. Porque embora seja complicado do ponto de vista da pronuncia (a principal barreira), depois em termos verbais e por aí fora é bastante simples. As pessoas reagem bem. São de um modo geral simpáticas, e metem-se contigo na rua por perceberem que não és de lá. Mas sempre de forma divertida. É óbvio que por vezes há alguns olhares estranho, mas é bastante típico do povo chinês, mesmo entre eles…

Joel é o único ocidental na cidade e tenta manter os costumes portugueses no outro lado do mundo.
Qual é a tua opinião sobre o panorama atual de Portugal? Achas que vai melhorar? O que devia ser feito?
A minha opinião de Portugal é que Portugal é o melhor país do mundo. Se queres que te diga a verdade acho que estas “crises” e de andarmos à quase 40 anos a queixar-mo-nos que temos governos corruptos (se calhar em alguns casos com razão), e que são todos uns vigaristas e por aí fora, é o que faz de nós portugueses. Sempre fomos assim, sempre vamos ser. Há quem diga que somos um povo preguiçoso, que não gostamos de trabalhar (se calhar em parte verdade também), e que devíamos tanto o povo como a classe política ser mais disciplinados, como os povos do centro ou do norte da Europa. Eu não concordo. Eu gosto de todas estas nossas idiossincrasias, e os nórdicos é que deviam ser como nós em vez de terem a vida monótona e chata que têm. Claro que vamos melhorar! Melhoramos sempre. E depois vamos piorar outra vez. E vai ser sempre assim. Mas enquanto assim for eu pelo menos sei que o meu Portugal ainda ali está. Aconteça o que acontecer o nosso pedaço de terra ninguém nos tira.
Depois de teres estado na Grécia, agora China, o teu futuro passa por Portugal ou outro país?
A curto prazo por outro país, por uma questão muito simples: Estou numa fase de exploração, em que quero conhecer e aprender o máximo que puder. É óbvio que se um dia, numa destas “aventuras exploratórias” me aparecer algo que eu ache irrecusável poderei ficar em algum lugar mais tempo do que o previsto. Mas o sítio onde eu quero viver e ter uma casa, com filhos, uma mulher (jeitosa) e um cão, é em Portugal, nem outra coisa me passa pela cabeça…
Que conselhos dás às pessoas que te queiram seguir os passos e irem para a China ou para outro país?
O conselho que dou em muito simples: Força! Viver fora do país é uma etapa de crescimento de amadurecimento, mesmo que, tal como eu, queiram fazer vida em Portugal, viver uns anos fora do país faz-vos mais fortes e dotados de valências diferentes. Ganham outra independência, outra forma de pensar, outra forma de estar na vida. Até outra forma de gostar ou de amar algumas coisas a que hoje nem dão importância e têm ali ao lado. Façam-se à estrada, de vez em quando é longe de casa que se encontram com vocês mesmos. E vão ver que quando voltarem, mesmo que tenham “desperdiçado” um ou dois anos a fazer algo que não planearam, ganharam coisas que nem imaginavam que podiam ganhar…
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ENTREVISTA CONDUZIDA POR JORGE CORREIA
[alert-success] O ICote agradece toda a disponibilidade e simpatia do Joel, desejando-lhe o maior sucesso pessoal e profissional. [/alert-success]