Licenciada em 2009, no curso de Tradução e Assessoria de Direção na ESE do IPCB, Mara Fonseca nunca trabalhou em Portugal. Foi para terras de “nuestros hermanos” sem nunca lá ter vivido, apenas com experiências contadas de pessoas que lá estiveram de Erasmus, e hoje trabalha como Assistente de advogados de marcas e patentes em Madrid. É apaixonada por artes, gosta de pintar e adorava formar-se em música, criar algo único. Tem como hobbies sexy-dance, por exemplo, algo que está muito em voga em Espanha. Já visitou países como França, Inglaterra, Suiça e, recentemente, Croácia. Com família em Nantes, Marselha e Melbourne, Mara esteve à conversa com o ICote a partir de Madrid.
– Há quanto tempo estás em Madrid? Vives com quem?
Vai fazer 4 anos no inicio deste mês de Outubro que dei cá um salto para ver se arranjava um “trabalhinho”. Vivo com o meu namorado que conheci na ESE de Castelo Branco quando ”por la passou” em Erasmus.
– Como surgiu a oportunidade de ires para Espanha?
Uma vez terminada a licenciatura, o meu objetivo era mesmo ser independente. Queria viver sozinha e ter a minha liberdade. Eu vivia em S. Sebastião, perto de Ourem, e de Fátima, uma zona que vive bastante do turismo. Apesar de ter seguido uma carreira de idiomas, entrar e adaptar-me ao que a área do turismo pede, não era um objetivo. Queria algo diferente que me suscitasse interesse todos os dias. E decidi vir para Espanha, para a capital, onde haveria mais probabilidade de encontrar mais variedade de postos de trabalho e também porque já tinha cá alguns colegas que tinham andado na ESE em Castelo Branco de Erasmus.
– Quais foram as maiores dificuldades que encontraste ao início?
Devo dizer que procurar trabalho foi bastante difícil. Era bastante monótono estar em casa e procurar ofertas de trabalho ”no infinito e mais além”. Apesar das inúmeras entrevistas que fiz, muitas delas falharam, e desmotivei bastante mas mantive sempre o ritmo da procura. Depois, chegou o fim do ano (Dezembro de 2009) e cheguei mesmo a pensar voltar para Portugal e retomar busca de trabalho quando me sentisse mais forte. Mas foi nessa altura então que me ligaram da empresa onde estou hoje.
– O que fazes em concreto no escritório onde trabalhas?
Trabalho aqui desde Dezembro de 2009 e devo dizer que ainda que procurasse algo diferente, como mencionei antes, nunca pensei que encontrasse algo tão curioso quanto isto. O meu escritório trata assuntos do direito mercantil. Todos já nos perguntámos o que acontece aos produtos da contrafação que são apreendidos e o que acontece àquelas lojas que usam logótipos que se assemelham demasiado aos franchisings famosos. Pois aqui, faço um pouco de tudo. Desde a peritagem de um produto que possivelmente seja contrafeito, para comparar com um autêntico, até à gestão de oposições de marcas, contacto com aduanas quando se efetuam paralisações de produtos contrafeitos (desde Cd’s de Office, acessórios de consolas, relojoaria de luxo, perfumaria, cosméticos…), elaboração de denuncias, demandas… Temos alguns clientes bem conhecidos, nomeadamente o Grupo Swatch, Microsoft, Hasbro, entre outras. Grande parte do meu trabalho diário é direcionado para a Microsoft: paralisação de produtos em aduanas, intervenções em Ciber Cafés e Lojas que vendam software ilegal.
– Em Portugal costuma-se falar o “portunhol”, é difícil não se falar a língua ou o idioma não é um problema para encontrar trabalho em Espanha?
O idioma, ao contrário do que muitos podem achar, é indispensável para encontrar trabalho. Como já referi, decidi seguir algo relacionado com idiomas, e licenciei-me na Escola Superior de Educação de Castelo Branco em Tradução e Assessoria de Direçao. Acabei por entrar na turma de Espanhol se bem que a ideia era seguir com Alemão. Ainda assim, a aprendizagem deste idioma foi algo que me facilitou bastante a vida por cá por muito parecido que seja e fácil de entender, no dia a dia é importante não esbarrar cometer erros básicos. Há bastantes pessoas que por falta de conhecimento não são conscientes de que transmitem mensagens contrárias ao que pretendem, ou que até mesmo ingenuamente, dizem palavras ofensivas.
– Quais as maiores diferenças, na tua opinião, entre Portugal e Espanha?
Penso que a todo o português lhe faz uma certa confusão respeitar as horas de cada refeição aqui. Aqui o sair e tomar café com amigos, é trocado por umas cañas e umas tapas. As festas populares refletem bastante o folclore espanhol, normalmente há sempre touros que se soltam pelas ruas ou apenas na praça. As procissões são algo bastante forte em alguns pontos do país, principalmente na época da semana santa. Enquanto que no nosso país é algo que não suscita tanto interesse da juventude, aqui pelo contrário é alvo de proeza para os jovens carregar o andor que pesa toneladas e vestir a roupa de Nazareno. Há muita emoção, muitas lágrimas, cantares ao Padroeiro da festa, todos querem tocar o seu manto como símbolo de proteção, etc. O culto do presunto é algo bastante vincado. Em cada casa, quando chegam as estações mais frias e húmidas, é quase obrigatório ter um bom pata negra em casa. A alimentação passa bastante por fritos e ovos,. Tortilhas, calamares, Paelhas são preferidos pelo menos na zona onde estou. E claro, para além do castelhano, idioma oficial do país, existem os vários idiomas de cada região: O catalão (Ilhas Baleares e Catalunha), valenciano (Valencia), euskera (no país Basco e Navarra), galego (Galiza).
– O que te atrai mais em Madrid?
A variedade de culturas, impressiona-me. A maioria dos emigrantes existentes são essencialmente peruanos, mexicanos, marroquinos, mas há uma comunidade que me chama particularmente a atenção que é a chinesa por ser tão distinta e ter tradições tão fortes e tão antigas. Aqui a comunidade chinesa é significativamente grande. Por outro lado alguns aspetos do quotidiano e a arte (Dança, musica e canto) da raça cigana também me chamam bastante a atenção.
– Apesar de o país estar em crise, ainda há oportunidades em Espanha? Em que áreas?
Penso que para quem tem formação superior, e idiomas acima de tudo, consegue arranjar alguma coisa na área das TI, se bem que não se descarta ter uma boa dose de paciência e ser-se persistente para procurar algo realmente interessante. A meu ver, neste país as empresas apostam bastante na mão-de-obra mais jovem. Ser-se jovem e pouco experiente nem sempre é um entrave.
– Tens alguma história engraçada, passada aí, que nós possas contar?
Na verdade não me lembro de nada em concreto. Em casa cada um fala o seu idioma e por isso várias foram já as risadas à custa de mal entendidos ou de tentativas de ensinar português a um espanhol que na verdade faz o seu esforço para entender ou pronunciar corretamente… e é isso que dá sempre origem a alguma risada. É inevitável.
– Apesar de estares relativamente perto, o que é que te faz mais falta da tua terra e do teu país?
Quase tudo! Sinto a falta de acordar no meu próprio quarto. Gosto muito de estar com a minha família, mas também gosto de sair à noite e extravasar com os amigos até não poder mais. Sinto a falta da comida da avó e da mãe: O arroz de pato, o cozido à Portuguesa… Sinto a falta da ginja do meu Castelo de Ourem, como não podia deixar de ser. E adoro o inverno na minha terra e por mais estranho que pareça, sinto a falta do frio que é bem mais intenso que o daqui. Adoro a época do Bolinho. Embora a tradição esteja lentamente a desaparecer, ainda por la há meninos que saem à rua para a manter viva. Estas são algumas das coisinhas que me fazem mais falta e ainda assim muita coisa fica ainda por enumerar.
– Como vês o estado atual de Portugal?
Tecer um comentário sobre a economia e politica não é o meu forte, mas sinceramente tenho pena do panorama do nosso país e fico muito triste quando vejo o nosso país aparecer nos noticiários pelos piores motivos, porque afinal essa é que é a minha casa e é para lá que eu quero voltar um dia.
Há uns dias, uma prima que está em França também me perguntou o mesmo… e disse-lhe que na zona onde vivia, está a dar-se um êxodo de mão-de-obra jovem e qualificada… Muitos estão em Inglaterra, uns em Franca. Em tom de brincadeira dissemos que o que fazia falta era criar uma empresa, que empregasse um vasto numero de pessoas independentemente da formação que tivessem e idade. Aleatoriamente, falámos até numa empresa relacionada com cosméticos. Embora tenha sido uma ideia sem pés nem cabeça, penso que era importante arranjar uma forma de trazer de volta a casa jovens qualificados e também dar oportunidade a pessoas com menos formação de desempenhar alguma função que se adaptasse aos conhecimentos que adquiriram durante a vida laboral.
– Tens algum conselho a dar a quem queira emigrar para Espanha ou outro país?
Penso que é importante mergulhar um bocadinho no tema da burocracia antes de sair do nosso país. Saber que tipo de documentos necessitamos para validar certos diplomas podermos exercer uma profissão de acordo com a área em que nos formámos. Obviamente, estar a par do tipo de visto que devemos solicitar dependendo também do tempo que estaremos a residir nesse país. É importante avaliar as ofertas de trabalho, e já não falo das fraudes, mas sim da remuneração, já que há que avaliar a compatibilidade da remuneração com o custo de vida do país em questão. Todos temos um amigo no estrangeiro, por isso, o melhor é perguntar diretamente uma opinião do panorama. Emigrar para Espanha não requer grandes voltas no que diz respeito a burocracias e já esclareci alguns amigos meus sobre isso. Resume-se a Pedir o NIE (Numero de identificação do estrangeiro) que é indispensável para poder trabalhar legalmente, abrir uma conta, comprar um carro, etc.
– O teu futuro passa por Madrid ou outra cidade no mundo?
Todos sabemos que a vida dá inúmeras voltas e não posso dizer que nunca sairei daqui. Pelo menos para Portugal, eu volto. Deixar Madrid, por enquanto, não. Estou bastante contente com o meu trabalho. Só posso dizer nomes de cidades como eleição de destino turístico.
A equipa do ICote quer agradecer a paciência, disponibilidade e simpatia da Mara durante a entrevista, desejando-lhe toda a sorte do mundo.