Paula Alves Silva – Jornalista – Washington, D.C.
Desde Fevereiro em Washington, D.C., Paula Alves Silva formou-se em jornalismo e ciências da comunicação, trabalhando agora na Connect4Climate, no The World Bank. A Paula já viveu em Espanha, antes de ir para os Estados Unidos, tendo já estado em trabalho na Alemanha e no Reino Unido.
– Como apareceu a oportunidade de ir trabalhar para Washington?
Há cerca de um ano fui seleccionada pelo INOV Contacto, um programa liderado pela AICEP que envia anualmente centenas de jovens para o estrangeiro. Após o processo de selecção é realizado um matching entre cada jovem e as empresas parceiras do programa, sendo que cada pessoa tem apenas conhecimento do seu destino e da empresa onde trabalhará depois de concluído todo o processo. Foi dessa forma que acabei no Banco Mundial em Washington DC.
– Quais as diferenças principais entre Portugal e os EUA?
Apontar algumas diferenças num país onde tudo é completamente diferente de Portugal parece quase impossível. A arquitectura, o contacto social, a gastronomia, a atenção ao cliente, o meio profissional, a paisagem, as temperaturas, a moda,… tudo é diferente.
Mas talvez possa destacar uma divergência que é tremendamente notória: o patriotismo ‘cego’ que os americanos têm. Independentemente das decisões governamentais que se possam tomar, do papel que os EUA têm no mundo e a controvérsia que esses actos causam frequentemente, os cidadãos americanos acreditam firmemente que os EUA são uma espécie de salvador do mundo e orgulham-se tremendamente do país que têm. As festividades do 4 de Julho, os memoriais, as bandeiras nas casas, o tratamento dos soldados enquanto heróis são, porventura, as provas máximas desse patriotismo, direi, quase cego.
– Com um registo luso no país, como está atualmente o país a nível de emprego?
Comparativamente com Portugal e restante Europa o processo de recuperação económica nos EUA foi bastante mais acelerado e neste momento a taxa de desemprego está abaixo dos 6%, o número mais baixo desde que a crise se instalou em 2008. Desenganem-se se julgam que os Americanos estão satisfeitos com os resultados.
– Como são as pessoas aí?
Posso afirmar que os americanos são extremamente simpáticos. Ouve-se sempre um ‘Olá, como estás?’ quando se entra no autocarro, num supermercado, numa loja, num café, etc, – mesmo que nem sempre seja sinónimo de quererem uma resposta. E, portanto, num primeiro contacto é um povo acolhedor, tremendamente disponível para ajudar, oferecendo-se muitas vezes para o fazer, bastante atencioso com turistas e estrangeiros. No entanto, furar a barreira que existe entre ser um conhecido e transformarmo-nos num amigo exige algum tempo e esforço da nossa parte. De alguma forma, nesse sentido, são, em geral, um povo mais fechado. Porém a partir do momento em que nos acolhem veem-nos como ‘família’. Noutros patamares, gostam de separar trabalho de diversão e são bastante focados profissionalmente. A nível de lazer, raramente cozinham, adoram festas, sobretudo party houses, e viajam principalmente dentro dos EUA.
– Já tiveste algum episódio caricato que nos possas contar?
Tenho a impressão de que este é um país muito propício a situações caricatas. Talvez de entre as varias histórias, possa partilhar a que me aconteceu uma noite na casa de banho de um bar enquanto esperava na fila. Estava na conversa com a rapariga à minha frente quando ela me pergunta de onde sou. Assim que respondi ‘Portugal’, ela agarra de imediato o meu braço e diz-me: ‘Vira-te, por favor, quero ver o teu rabo.’ Podem imaginar o ar de espanto que fiz. Pergunto-lhe porquê. Ela responde: ‘As mulheres de Portugal têm um rabo fantástico. Na verdade já pensei viajar para Portugal e operar o meu rabo lá.’ Regozijemos. O mito do bigode morreu. Nós agradecemos.
– O custo de vida é caro? Em média, quanto custa alugar um quarto/casa?
Infelizmente, a resposta é afirmativa. É uma cidade bastante cara. De acordo com os últimos dados, Washington DC é a cidade mais cara dos EUA, tendo ultrapassado São Francisco e NYC. O aluguer de um quarto é, em média, 1000 dólares e é o valor que mais pesa no orçamento mensal. Se olhássemos para isto como se fosse um bolo de custos, o alojamento, a alimentação e o transporte seriam as grandes fatias. Por exemplo, o bilhete de metro custa 2.75$, o passe mensal ultrapassa os 200$. Quanto à vertente social, uma cerveja custa habitualmente 6 dólares.
– O que aconselhas a visitar na cidade?
A arte do National Gallery of Art, do maior instituto museológico do mundo – a Smithsonian Institution, e os muitos outros museus espalhados pela cidade; os domingos à tarde no Meridian Park; um passeio de bicicleta pelo National Mall; a cúpula do Capitólio; as sextas-feiras de verão no Sculpture Garden com o ‘Jazz in the Garden’; o pôr-do-sol na Waterfront de Georgetown; a vista do W Hotel; a comida do Barcelona – que não é Espanha, mas me fará sempre sentir mais próxima de casa; o cheesecake do The Factory Cheesecake; as noites em Adams Morgan ou na 14th street; o jazz do 18th street lounge – o meu bar preferido em DC; um copo no rooftop do 1905, Bistro Bar e um concerto no 9:30 club.
– Nota-se muito a comunidade portuguesa aí?
Não. Não, em DC. Em NYC a realidade é completamente diferente, com uma grande comunidade em Newark. Aqui em Washington o número é bastante reduzido e disperso.
– O teu futuro passa por Washington?
É esta a pergunta do 1 milhão de dólares? Bem, honestamente julgo que não. Tem sido uma experiência maravilhosa, mas tenho a impressão de que esta ainda não é A cidade. É óbvio que gosto bastante de DC, tenho aprendido bastante nos vários sentidos e, enquanto jornalista, estar na capital dos EUA, o centro do poder, é um privilégio. Mas viver a 3 horas de carro do mar atormenta-me bastante. Além disso, o visto é uma questão problemática que, infelizmente, dificulta tremendamente a movimentação profissional dentro do país.
– Do que sentes mais saudades de Portugal?
Do café, peixe, natas e do meu mar do Norte. Esta é seguramente a pergunta mais frequente e esta é sempre a resposta que dou prontamente. Obviamente do que sentiremos sempre mais falta no nosso país serão as pessoas: a família, os amigos. A distância e a saudade flagelam-nos a alma. Não há dúvida que nunca nada os substituirá e viver sem eles diariamente pode ser uma aprendizagem dura. Mas a nossa gastronomia, a nossa paisagem (e o meu Porto) e o povo português serão sempre marcos fortes dentro de mim, memórias saudosas para onde quer que viaje. Leva-las-ei sempre comigo, falarei sempre deles a outros povos e sempre regressarei a eles.
– Quais os conselhos que deixas a quem queira ir para os Estados Unidos ou outro país trabalhar?
Que façam as malas e partam sem hesitações. É difícil que se entenda através de palavras aquilo que apenas se perceberá experienciando. E não negarei que a distância tem as suas desvantagens, mas o que se ganha trabalhando num outro país dificilmente se alcançará não o fazendo: maior capacidade de adaptação cultural e profissional, maior resiliência, maior respeito multicultural, um entendimento maior do mundo, um alargamento da rede de networking, mais amigos, novas experiências culturais, tempo para explorar, a oportunidade de vivenciar diferentes visões e formas de trabalho, obtenção de uma maior abertura mental e a capacidade de criar, deste modo, mais oportunidades. O crescimento pessoal é inegável. As experiências e a distância transformam-nos positivamente, tornam-nos mais resistentes e mais despertos para a vida e para o mundo. Ganhamos esta capacidade de reconhecer o que nos falta e a importância do que deixamos para trás, tornando-nos, de certa forma, mais patriotas. Há apenas um problema: assim que se começa é difícil querer parar. Passamos a desejar o mundo todo.