Experiências – Amélia Magalhães

Experiências

Amélia Magalhães
Eindhoven, Holanda

am-holanda

1. Fala-nos um pouco da tua carreira e desde quando estás emigrada.

Para enquadrar um pouco o meu depoimento, sou licenciada em Nutrição, e trabalhei em Portugal vários anos como manager na área da hotelaria.
Mudei de Portugal para a Holanda em 2005, e em 2006 para a Bélgica, onde vivo actualmente; neste momento trabalho na região de Eindhoven, na Holanda.
Na altura, o meu marido teve uma oferta de emprego na Holanda e apesar de estarmos os dois a trabalhar, resolvemos mudar de ares. Tinhamos planos de ficar entre 3 a 5 anos, mas depressa percebemos que não queríamos voltar.
Quando cheguei aqui não fazia ideia de como começar a procurar emprego ou a (re)organizar a minha vida.
Graças a políticas empresariais que partem do princípio de que para reter os bons colaboradores é necessário que também as suas famílias se sintam bem, tive a oportunidade mal cheguei de começar estudar holandês gratuitamente. Comecei também imediatamente a procurar todo o tipo de pequenos trabalhos (pagos ou voluntários) que me proporcionassem algumas mais-valias, como o conhecimento e prática tanto do holandês como do inglês (que estava bastante enferrujado), o contacto com outras pessoas, na minha situação ou não, de maneira a poder perceber como funcionavam as coisas, enfim, qualquer tipo de aprendizagem que me fosse útil. Entre outros, fiz trabalhos de cliente-mistério, tanto na Holanda como na Bélgica, dei aulas privadas de português e junto com duas americanas na mesma situação que eu, formámos um grupo de estrangeiros que se começou a dedicar á aprendizagem e prática do holandês e que depressa se estendeu a todo o tipo de eventos sociais e de integração.
Dado que seria difícil exercer a profissão que tinha em Portugal, devido principalmente á questão da língua, comecei a tentar perceber o que poderia fazer com os meus conhecimentos e experiência profissional. Inscrevi-me em várias agências de recrutamento e com o decorrer do tempo e as entrevistas a que fui comparecendo depressa percebi que a maneira como tinha elaborado o meu CV e carta de apresentação (á portuguesa) estava completamente errada, assim como a maneira de encarar as entrevistas de emprego. A mentalidade, cultura de trabalho e hierarquia são completamente diferentes de Portugal. Não considero que seja difícil arranjar emprego na Holanda, o mais difícil é perceber os passos que temos que dar.
O meu primeiro emprego “a sério” foi no departamento de compras de uma empresa que fabrica e vende equipamentos de navegação, como responsável pelos fornecedores europeus.
Neste momento, trabalho como “Product Purchasing and Manufacturing Coordinator” (peço desculpa, mas a tradução para português não soa bem – básicamente, gestão e desenvolvimento de produto) na área de mapas digitais para sistemas de GPS da indústria automóvel.

2. Quais os aspectos positivos e os maiores desafios encontrados?

Recordando-me das minhas primeiras impressões, os primeiros aspecto positivos que encontrei foi o facto de me encontrar num ambiente internacional e multi-cultural, depressa fiz amigos dos mais diferentes países, credos e culturas. Além disso, o que me encantou e me fez esquecer muito daquilo que todos os dias me irritava, foi o respeito com que os animais são tratados.
Desafios, foram muitos. A língua e a cultura, a péssima comida, o clima, as constantes comparações com aquilo a que estava habituada… o não conseguir ler as placas nas estradas ou os rótulos no supermercado… há muita coisa da qual nem me recordo, e quando vejo pessoal hoje em dia a chegar de novo e a reclamar é que me vêm á memória. Por outro lado, dá-se muito mais valor a coisas que tínhamos como adquiridas, como o sol ou um bom café expresso.

Em termos profissionais, e comparando com Portugal onde tenho mais de 10 anos de experiência profissional, a Holanda está muito próxima do paraíso. As empresas são organizadas, temos oportunidade, meios e liberdade para fazer o nosso trabalho, e espera-se de nós iniciativa. O ambiente de trabalho é muito informal e descontraído, a gestão é feita de uma forma muito horizontal e embora as hierarquias existam, não se notam grandemente. Não existem drs, engenheiros nem excelências. O equilíbrio entre trabalho e vida pessoal é bem visto, e o trabalho é considerado uma parte da nossa vida com uma importância relativa, mas não o mais importante. Depois de trabalhar aqui, será muito difícil para mim (e não está nos meus planos) voltar a trabalhar em Portugal.
Os desafios em termos profissionais variam um pouco; pessoalmente e apesar de trabalhar numa empresa internacional onde a língua de trabalho é o inglês, sou a única estrangeira do departamento onde trabalho, pelo que o desafio a nível cultural e da lingua é diário, com muitos mal entendidos pelo meio, que todos encaramos com boa disposição e como uma forma de aprendizagem constante. Temos a tendência para pensar que, uma vez que estamos na Europa, as diferentes culturas são parecidas. Nada mais longe da verdade.

3. Qual o conselho que dás aos seguidores do ICote?

É difícil dar conselhos porque muitas vezes as circunstâncias e experiências são diferentes. Em vez disso, deixo aqui algo do que aprendi nestes anos, que espero que seja útil a outros.
– Manter o espírito aberto e encarar positivamente as mudanças e os desafios. Ser flexível. Quando enfrentarmos algo que é diferente daquilo a que estamos acostumados, em vez de imediatamente o rejeitarmos, pensar antes se não poderá essa maneira de agir ou fazer ser melhor do que a que conhecemos e se não deveremos ser nós a mudar. Não podemos querer fazer as coisas como estávamos habituados, porque simplesmente as coisas são diferentes.

– Também em termos profissionais, pôr em causa aquilo a que estamos habituados, e esquecer o clássico ou óbvio. Ninguém nos vai aparecer a acenar com o emprego ideal. Nós é que temos de ver, dentro das oportunidades que existem, onde poderemos aplicar as nossas capacidades e sentir-nos bem.
Segundo uma estatística Norte-Americana, cerca de 60% dos estudantes de hoje em dia irão trabalhar em profissões que ainda não foram inventadas. Sei que é verdade, porque foi o que me aconteceu. Há inúmeras profissões das quais nunca ouvimos falar em Portugal.
Em termos mais práticos, um bom CV em inglês (um bom CV é aquele que nos proporciona oportunidades, e não tem fórmula certa), networking, procurar conhecer e entrar nos circuitos de procura de emprego.

– Não ter medo de enfrentar desafios. Pensar que temos tantas hipóteses como outro profissional qualquer de outro país. E, ao contrário do que muitos pensam e que os faz retraír-se um pouco na hora de procurar emprego fora de Portugal, o nosso nível de inglês é, em geral, muito bom, o que só por si é uma vantagem.

– Apesar do conhecimento da língua portuguesa ser uma mais-valia, não deixarmos depender disso a nossa procura de emprego, mas sim das nossas capacidades profissionais. Caso contrário, limitamos muito as nossas possibilidades.

– Por último, quando enfrentamos uma mudança destas não é só o aspecto profissional que muda, mas toda a nossa vida. O grande desafio é integrarmo-nos numa cultura diferente, conservando a nossa, e tirar partido do melhor dos dois lados. Ao contrário do que se possa pensar isso não é nada complicado, na realidade é muito mais simples do que parece. Mas é preciso ter um certo espírito e uma certa abertura que nem todos conseguem ter. Na minha opinião, não vale a pena insistir am algo com o qual não nos sentimos bem e sermos toda a vida infelizes.

18/12/2012