Ricardo Penedo – Vilnius, Lituânia

vilnius

Ricardo Penedo tem 24 anos e formou-se em cinema na Escola Superior de Cinema e Teatro. Dentro do marasmo que pode ser a indústria do cinema em Portugal, Ricardo tenta agora a sorte na gélida Vilnius. Depois de receber prémios em festivais de cinema lisboetas, foi até à Lituânia para a sua primeira experiência profissional no estrangeiro.

És formado em cinema. Vês algum futuro nessa área em Portugal?

Sim, muito. Existe uma geração apaixonada pelo cinema cada vez mais sedenta de dar o seu contributo para a sua criação e preservação, seja em que área e mediação for. Não existe indústria, mas existem cineclubes, museus de cinema, produtoras independentes e fundações de apoio ao cinema que impulsionam uma forma de filmar bastante única no mundo. Basta ser corajoso e ver onde está o futuro.

Decidiste sair porquê?

Podia desculpar-me com a razão do sufoco que foi não ter conseguido ou criado oportunidades de trabalho na área durante o último ano, mas a razão que se destaca sempre que me convidam a responder a esse tipo de perguntas tem a ver com a minha grande vontade de experienciar seriamente uma vida, nem que seja tão curta como três meses, numa realidade que não a de Portugal. Sou um bicho da grande cidade e as grandes metrópoles europeias sempre tiveram o meu carinho especial. Não é o caso de Vilnius, mas, por outro lado, o factor exótico quase antípoda de um outro canto do velho continente fez-me querer escapar. Tenho 24 anos e não pude esperar mais.

O que fazes na Lituânia (profissionalmente)?

Estou a trabalhar como estagiário no departamento de cinema do Centro de Arte Contemporânea de Vilnius (Šiuolaikinio meno centras (ŠMC), para impressionar). Faço aquilo que me compete como assistente na prática de curadoria e programação de ciclos de cinema num centro de exibição de arte, que mais não é do que uma nova força de mediação do cinema actualmente.

Sei que estás aí há pouco tempo, mas como está a correr a experiência até agora?

Foram duas semanas pouco intensas. A primeira preenchida com solidão e a segunda, posta numa metáfora mal-parida, de aquecimento dos motores, isto é, estou agora realmente a trabalhar com um horário e objectivos definidos e vou conhecendo pessoas para além do círculo de colaboradores do ŠMC em festas e saídas à noite. O balanço que faço das duas semanas é positivo e promissor.

Achas que há a possibilidade de ficares por aí depois do estágio?

Na prática, uma vez que estou cá ao abrigo de um programa de mobiliadade de estágio na Europa Leonardo da Vinci, estou convencido que não; e, a título pessoal, até agora acredito que Vilnius precisa mostrar muito mais daquilo que me tem mostrado. Ou eu descobrir mais do que há para descobrir de Vilnius, não sei.
Mas, independentemente do lado romântico da coisa, tenho em conta que a cidade é demasiado pequena (e não falo apenas de território ou população, obviamente) para me render facilmente e, no que toca ao lado profissional, tem tantas ou menos oportunidades do que Portugal e isso, apesar de ser secundário, falando sinceramente, claro que pesa na hora de decidir ficar por aqui depois do estágio.

Como é Vilnius? As pessoas, a cultura, a sociedade?

É pequena à escala das capitais europeias e grande à escala da Lituânia e, talvez dos estados bálticos. Aliás, essa é uma cruz que as “três irmãs”, como lhes é conhecido como epíteto, carregam há muito: a nível cultural, assume-se mais uma báltica do que lituana. Mas, em contrapartida, a Lituânia é dos três o país mais nacionalista (no bom e no mau sentido, e por isso não é de se espantar quando se observa que foi a primeira república ex-soviética a a aproveitar-se da debilitada URSS e rebelar-se contra ela) e que apregoa consigo uma identidade forte, realçando sempre uma aproximação cultural com a Polónia (na língua, na culinária, nas tradições de um ducado medieval remoto) do que com a Rússia, por exemplo.

Os pontos de interesse de Vilnius residem na parte antiga (Senamiestis) colorida pelas suas igrejas católicas e ortodoxas restauradas e outros trilhos medievais e na parte mais recente (Naujamiestis) onde é sintomática o dedo da ocupação soviética na arquitectura. Para lá do rio que atravessa a cidade, consegui encontrar um novo business centre que evoca a Lituânia reindependente e aberta ao espaço europeu e ocidental.

Quer me parecer que Vilnius é mesmo uma ilha dentro dos limítrofes da Lituânia. Quero dizer que não posso generalizar a experiência de Vilnius onde vejo pessoas despreocupadas e felizes, ainda que longe da expressão efusiva do sul da Europa, mas centradas nas suas preocupações, rotinas e planos de vida. Se calhar se for a Kaunas (a segunda maior cidade), a abertura ao estrangeiro é menos tolerante, os fantasmas de uma outra era ainda pode ser sentidos e aquele sentido de si mesmo ainda pode ser mais carregado. Mas esta elação é tirada de um comentário que uma local me fez questão de esclarecer quando lhe pedi conselhos para explorar outros pontos de interesse do país.

Obviamente que, trabalhando num centro de arte, a perspectiva muda para uma excepção à regra e, o que mais me impressionou foi ganhar uma noção de uma geração de jovens (basicamente a colheita oriunda da aurora da democracia e da economia de mercado) globalizada, internacionalizada, proactiva e especialmente motivada mas, ao mesmo tempo, em situações precárias de emprego e com expectativas de futuro um pouco defraudadas pelo sonho de uma nova Lituânia de há dez anos atrás.

Há muitos portugueses aí?

Até agora conheci uma que está a fazer Erasmus na faculdade de Direito na Universidade de Vilnius. Mas estou convicto que nem no Verão haverá um grupo considerável de turistas portugueses a passear pela Pilles gatvé.

Alguma história engraçada que gostasses de partilhar?

Não sei se esta é parte para gozar com os lituanos ou se engraçado é o adjetivo apropriado, mas gosto sempre de partilhar a história do dia em que eu acordo no meu primeiro dia na nova casa partilhada com um casal politicamente activista (ela lituana e ele nova-iorquino), e dou de caras com 15 ou 17 pessoas reunidas na sala a fazer o balanço da manifestação contra a inciativa da ala da direita à revisão à lei do aborto lituana. Foi embaraçoso; eles tinham-me avisado da eventualidade de reuniões (julgava eu tratar-se de trabalho ou de serões entre amigos), mas não esperava deparar-me com um verdadeiro Exército de Dumbledore a beber-me as últimas saquetas de Lipton de cidreira.

Entrevista conduzida por André Vinagre