Passos trémulos de uma vida a caminhar nas areias movediças da incerteza. Somos uma certeza arredondada do que não queremos ser, repetimos inconformadamente Eu não sou assim, ficando estas palavras a ecoar a média luz nos corredores escuros da dúvida envergonhada. Somos uma leveza volúvel e mutável às expressões da alma que faz vénia aos caprichos mais obscenos da vontade. Corações que falam dialetos sem tradução e corpos prostrados pelas frustrações. Nós.
Eu não tenho a certeza de nada e nem quero esse manto magnético e hipotecado sobre mim, muito obrigada, sinto-me sufocada! Com o decorrer do tempo ficamos mais perto de nós próprios e confortáveis com o peso da nossa presença, as nossas angústias ficam legendadas e melhor absorvidas por nós. Os dedos tornam-se menos duros, a moleza e a bondade da vida torna-os mais benevolentes, mais macios, acariciamos as odes poéticas de estrofes imperfeitas com maior abertura e sossego. Percebemos que os amigos que temos são poucos e que amores verdadeiros escasseiam, vivendo nós num jogo sem regras da cabra cega. Primeiro tentamos reconhecer um amor sem preconceito, olhos vendados e mãos curiosas, amamos pelo cheiro, pela textura, pela veracidade dos sentimentos que nos assolam, são puros, temos os olhos na pele. Abraçamos o amor como ele é, andamos ébrios de paixão, tontinhos a errar pelas ruas com um hálito com grau, praguejador, embriagado pelo que de mais nobre pode existir, o amor. Rimo-nos sozinhos das tolices que fizemos e que nos fizeram tão felizes e preenchidos naquele momento eterno. A inocência marca a sua presença num prólogo carregado de sonhos, o ridículo engole só para si um ato, instalado numa cadeira florescente, pirosa e histérica que nos faz esticar os lábios e levar a mão a prestar vassalagem à cara enquanto enrubescemos, protegendo-a. O sofrimento também assola, por vezes devagarinho, outras vezes abruptamente, sempre com uma aliança profunda com a sabedoria, uma aliança eterna e verdadeira, como o amor dos meus pais, indissociáveis.
Somos energia, a saudade rastejante do que fomos e a saudade de asa partida do que não conseguimos ser. O tempo perdido, o arrependimento, o vácuo que provocou embolias pulmonares de sentimentos relutantes, que não fizeram a travessia com os seus congéneres, e já viraram esquizofrénicos pelo peso da solidão e dos porquês que os moem.
Que metamorfose itinerante que nós somos… indomáveis, selvagens e carentes. Viver é isto, uma equação desequilibrada que se tenta equilibrar em pé coxinho em chão viscoso, um número de circo que por vezes se ofusca com o brilho das luzes mas que o impulso da queda nos faz erguer mais conscientes da dor, ou não. No final o mais importante é permitirmo-nos, tudo é efémero, tudo nos atraiçoa, não há certezas, servos de um todo e do nada, de um vazio preenchido por reticências irrequietas e com crises de identidade.
Não pedimos para nascer mas somos obrigados a viver… e que obrigação boa!
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