O consciente responsável de todos nós já foi certamente assolado pela curiosidade dos nossos ímpetos consumistas no que diz respeito à origem das roupas que compramos. Questionamo-nos sobre a sua criação, onde são produzidas, o porquê de serem tão baratas, se foram cumpridas as normas de segurança e higiene, o horário dos trabalhadores tal como a sua idade. Um acervo de questões efervescentes que pulam no nosso showroom imaginário quando estamos a percorrer a catwalk para o highlight de passar o cartão de crédito!
De forma a responder a estas questões, o Aftenposten, jornal norueguês, proporcionou uma viagem a três bloggers de moda até Phnom Penh, Camboja, onde durante um mês estes vestiram a vida dos trabalhadores das fábricas de têxteis, experienciando assim na primeira pessoa os dissabores de um trabalhador cambojano. Toda esta experiência foi documentada e encontra-se espelhada na série “Sweatshop:deadlyfashion” (www.aftenposten.no/webtv/#!/kategori/10514/sweatshop-deadly-fashion)que, por sua vez, terminou com lágrimas angustiadas que desabafavam frases como “Não aguento mais” palavras de Anniken proferidas para a câmara que a seguiu a ela, a Frida e Ludvig, três jovens de 17 anos, numa viagem dura e realista pelas vidas dos trabalhadores das fábricas têxteis.
Nesta série apercebemo-nos dos inglórios salários dos trabalhadores, que nunca lhe vão permitir comprar as peças que costuram e que não são sequer suficientes para refeições, das péssimas condições de trabalho, de uma atmosfera mórbida e inumana que faz despertar nos bloggers a sensação de que vivem no seu país numa zona de conforto bastante privilegiada. Contudo, o mais interessante, é que este sentimento é tardio! As expressões como “estão habituados” e “ao menos têm trabalho” que emoldurava o discurso dos jovens começou a sofrer algumas mutações relutantes até se esmorecer e dar lugar a “Que tipo de vida é esta? (…) Isto tem de acabar!”. Um documentário a não perder!
Com sentimento de culpa ou não, após o lançamento deste projeto, a H&M emitiu um comunicado onde garantia que as fábricas retratadas não são usadas pela cadeia e recordou que a empresa está envolvida no programa da Organização Internacional do Trabalho para melhorar as condições de trabalho no país. Como sabemos, infelizmente, este cenário não é novo, o acirrar da ética neste campo, deixa empresas com urticária e desencadeia o jogo infindável do “Eu nunca!”. Quem não se recorda do colapso de uma fábrica que produzia roupa para marcas como a Primark e a Benetton em 2013 que ceifou a vida de 1100 pessoas? Nessa altura o holofote internacional virou-se completamente para a vergonha que são as condições de trabalho e para futuras soluções blindadas com linhas de justiça e virtuosas em direitos. O problema é que a resposta a este flagelo interliga-se com uma fórmula composta por um conjunto de forças bastante preponderante: pobreza, negligência e corrupção, que caracteriza tão bem a escravidão moderna! A escravidão é um assunto global, que ultrapassa as linhas indústria da moda. Se atentarmos aos relatórios mais recentes destacam-se os apelos de nepaleses que trabalham na construção civil no Qatar por U$ 0,75 por hora em jornadas de 20 horas e de imigrantes birmaneses na Tailândia que são traficados e escravizados. Tal como as fábricas em Bangladesh, onde as auditorias são manipuladas e muito bem maquilhadas, que escondem negócios vantajosos perpetuados por empresas locais geridas por multinacionais. A ONU afirma ainda que as empresas devem pugnar pelo princípio da responsabilidade, onde se insere o direito humano a um salário mínimo o que reflete taxativamente o crescimento deficiente da globalização da economia, o que obriga a uma transformação dos trâmites legais, devendo estes ser reforçados, repensados e efetivos!
Contudo, a falta de informação sobre as cadeias produtivas torna herculeano e dúbio a origem das peças resultantes ou não do sacrifício impiedoso dos trabalhadores. Não sou adepta do slacktivism mas também não devemos ter um dedo arrogante de acusação por vezes infundado.O direito a um salário digno é um direito humano e fundamental, esperemos apenas que a desigualdade que enferma as mentalidades obstinadas pelos números oriundos do lucro, seja desmascarada e que, as medidas a tomar sejam tão impiedosas quantos a perversidade que gera essa desigualdade, tornando assim os direitos dos trabalhadores avant-garde e não vintage!
Escreve, também, para o P3, noticiasportugalnews e para o seu blog.