Emigrar: compensa o que deixamos para trás?

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Já referi aqui noutras crónicas que, ao contrário de muitos portugueses, não emigrei por falta de opções. Emigrei para partir à aventura, para conhecer outra parte do mundo, para internacionalizar a minha carreira e para ter mais liberdade financeira.

Estar longe custa a todos. A saudade não distingue tipos de emigração. Bem sei que não é nenhum consolo, mas quem partiu “obrigado” ao menos não põe tudo em causa quando a distância não perdoa.

Já perdi um Natal em família, o aniversário da minha cunhada, os 50 anos da minha sogra e o soprar das velas da minha mãe. A sobrinha que mal andava e agora já corre, fala ao telefone e teve as primeiras aulas de natação.

É nestas alturas que vêm as lágrimas ao olhos, o nó na garganta, o aperto no coração e à mente, a mesma pergunta de sempre: “será que vale a pena?”

Sou abençoada. Tudo o que ganho em estar aqui é maravilhoso mas o trade off é um preço muito alto. Especialmente naqueles dias. Especialmente hoje.

Hoje, o meu pai faz 60 anos.

60 anos. Tive que repetir para ver se me convenço. Ninguém acredita. Aquele homem é um poço de força e determinação. Está para vir algo que o deite abaixo.

Agora que penso nisso, os meus pais são filhos de emigrantes. O meu pai nasceu em Moçambique e ainda não era maior de idade quando foi sozinho estudar para a África do Sul e mais tarde emigrou para o Zimbabwe, onde conheceu a minha mãe.

Quando casaram tinham um colchão e um frigorífico. Mais tarde veio um berço e o meu irmão. O meu pai abriu a oficina dele, construíram uma vida para depois terem de deixar tudo, já durante o regime do Mugabe, rumo a Portugal com o pouco dinheiro com que era permitido viajar e uma criança de 3 anos ao colo.

Não o deitou abaixo.

Em Portugal, depois de muitas peripécias que incluíram o meu pai numa bicicleta a fazer km todos os dias de oficina em oficina ou a reparar carros que ia vendo “empanados” na rua, voltou a abrir o seu próprio negócio. Voltou a construir uma vida com a minha mãe só para depois ter de começar tudo do zero, quando ela estava grávida de mim e a oficina ardeu num incêndio em Caxias.

Não o deitou abaixo.

Até hoje, lembro-me sempre de ver o meu pai a levantar-se todos os dias cedo para ir trabalhar, mesmo quando tinha vários empregados. Lembro-me da minha mãe sair do trabalho e ainda ir entregar carros a clientes, ou comprar peças. Nunca me faltou nada, nunca ouvi uma queixa. Nem quando a crise começou a afectar os pequenos empresários e o Estado começou com os cortes à função pública (o emprego da minha mãe).

Não o deitou abaixo.

Nunca se queixou. Até hoje não acredito que passou por um cancro porque enfrentou de tal forma que parecia que não se passava nada. Continuava a jogar à bola e a levantar-se para ir trabalhar.

Não o deitou abaixo.

Nem fez com que deixasse de viver a vida ao máximo.

Os meus pais já refizeram a vida duas vezes, mudaram de país, andaram em aventuras em África (só contado!), abriram negócios, construíram casas, educaram filhos, levaram-nos a viajar de carro pela Europa, cuidaram dos pais deles e agora começam a vir os netos.

O meu pai ainda teve tempo para se dedicar aos filhos dos outros. Dá tudo o que tem.

O meu pai não me ensinou com palavras, foi sempre com exemplo. De empreendedorismo, de persistência, de resiliência… Gratidão mesmo nos momentos difíceis. Sangue, suor e lágrimas. Literalmente.

Gostava de ser como ele, e que também nada me deitasse abaixo mas…

Oh Dubai, que me tiras o meu pai!

E logo hoje que é dia de festa… Parabéns Arménio.

Rute Silva Brito

Marketing Strategist, Writer & Entrepreneur

Também escreve em rutesilvabrito.com

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Author: admin

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