Emigrar ou não emigrar? Eis a questão

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As coisas que não te dizem sobre viver no estrangeiro

Ainda em Portugal não se falava em crise ou desemprego, já eu tinha vontade de viver lá fora. Nunca gostei da palavra emigrar porque sempre a associei a sacrifício, a falta de opções.

Não. Para mim viver lá fora significava conhecer o mundo de uma forma que não se conhece apenas de férias. Aprender uma língua nova, abraçar uma cultura diferente, ter amigos do novo país.

Anos depois de um breve namoro com Barcelona e Paris, surgiu uma oportunidade quando meio Portugal estava à procura, mas eu não. Tinha um cargo de gestão numa multinacional, escritório no Parque das Nações com vista para o Tejo. Casamento marcado para Setembro.

E eis que o meu noivo recebe uma proposta de trabalho para o Médio Oriente via LinkedIn. Não era Nova Iorque mas era o dobro do que ganhávamos em Lisboa…

 “Ficamos 2 ou 3 anos e poupamos para viajar e comprar uma casa”

“Não te preocupes, quando lá chegar arranjo trabalho”

“Lá não vamos trabalhar 14 horas por dia, precisamos de abrandar o ritmo”

“Bora à aventura!”

Casamento antecipado, despedimo-nos da família e amigos, bilhete na mão e aterrámos no Dubai 8h depois.

O que nunca ninguém me disse é que partir por escolha e não por obrigação é exactamente o mesmo que ser “emigrante”. O apartamento no prédio de luxo com as duas piscinas, ginásio e vista para o Burj Khalifa é muito giro. Mas o concièrge que nos cumprimenta todos os dias não compensa as saudades.

Por isso, decidi inaugurar esta coluna com um tom mais pessoal e dizer-vos o que nunca ninguém me disse antes de partir, juntando alguns conselhos da minha experiência.

Não é só o salário que conta

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Burj Khalifa – Downtown Dubai

O custo de vida na cidade para onde vão é que importa. E o estilo de vida que pretendes também. Pesquisa online, fala com pessoas que já lá vivem e quando pensares que acertaste nas contas dos gastos mensais, mete mais 25% em cima.

No Dubai ganha-se muito dinheiro mas a maioria dos expatriados larga aqui tudo e sai sem nada. São os carros de luxo “baratos”, jantares nos melhores restaurantes do mundo, créditos ao consumo com juros baixíssimos, a cerveja que custa 7 euros e as saídas que não ficam por menos de 100 euros (muito por baixo!).

Fazer um plano para gerir o dinheiro enquanto cá se está é fundamental.

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E há outros valores intangíveis que importam. A experiência vai ser benéfica para a tua carreira?

Submergires-te noutra cultura implica saíres da tua zona de conforto

E pode não ser uma experiência agradável ao início. Chegámos no início do Ramadão. Para quem não sabe o que isso significa, imagina teres de andar a pé de prédio em prédio a ver casas e não poderes beber água, quando estão 45ºC à sombra. Não poderes comer em público até o sol se pôr… Room service durante um mês não sai nada barato!

Viemos para um país árabe mas os emiratis por norma não têm grandes amizades com ocidentais. A maioria da população é da Índia, Paquistão, Bangladesh e não te olha nos olhos porque se acha inferior a ti. Ou então és olhada de tal forma que te faz ter saudades dos homens das obras em Portugal.

Passados 6 meses, estou a gostar. Mas foi sem dúvida um choque cultural.

Quando vais sem emprego, a procura pode ser muito desanimadora

Nunca tive dificuldade em encontrar emprego mas não estava de todo preparada para os obstáculos que iria encontrar nos Emirados Árabes Unidos.

Em Portugal trabalhava no nível de manager/director. Aqui pedem profissionais já com 15 anos de experiência, 7 dos quais na indústria específica. Ora, eu tenho 7 anos de experiência mas já passei por 4 indústrias diferentes. Sou uma profissional generalista e aqui não compreendem o conceito de transferable skills.

Podia eventualmente baixar expectativas, não fossem os cargos abaixo disso serem disputados por candidatos da Ásia Menor que fazem o mesmo – não com a mesma qualidade, claro – mas por 300€.

A discriminação no mercado laboral aqui não é ilegal. Só querem filipinos. Ou só indianos. Só querem emiratis ou alguém que fale árabe. Não querem mulheres. Vê-se de tudo nos anúncios.

Quem não é qualificado está melhor em Portugal. Quem é, tem que por de lado o processo típico de resposta a anúncio e pensar noutras estratégias de job hunting.

Pode estar tudo a correr bem mas há dias que só apetece “ir pra casa”

É nesses dias que me apetece estar antes no frio de Londres, sem piscina, mas à distância de um voo de 2h30 que vale a pena nem que seja para estar um dia com a família.

Não subestimes o poder do LinkedIn

Mesmo quando não se está activamente à procura, deve-se estar no mercado. Ter um perfil de LinkedIn actualizado e bem trabalhado é uma das melhores maneiras de atrair recrutadores que te podem apresentar oportunidades de emprego lá fora.

Faças o que fizeres, garante que se partires o fazes com um objectivo e não apenas por falta de opções. A experiência vale a pena e a esperança de um dia voltar a Portugal é a última a morrer.

 

Rute Silva Brito

Marketing Strategist, Writer & Entrepreneur

Também escreve em rutesilvabrito.com

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Author: admin

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