Entrevistas: quando a resposta honesta parece prejudicial

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Estás à procura de emprego, respondes a anúncios, envias CVs e, quando parece que nada acontece, finalmente o telefone toca e convidam-te para uma entrevista.

“Pára tudo! Tenho que agarrar esta oportunidade!”

Apresentas-te com a tua melhor indumentária, vais devidamente preparado com toda a pesquisa que fizeste no dia anterior sobre a empresa e levas 3 ou 4 histórias pensadas para ilustrar como a tua experiência se adequa na perfeição ao problema que a empresa quer resolver com esta nova contratação.

A entrevista vai no bom caminho, conseguiste estabelecer empatia com a pessoa do lado de lá da mesa e de repente fazem-te aquela pergunta difícil cuja resposta honesta pode deitar tudo por água abaixo…

“Porque fechou a sua empresa? Se não conseguiu gerir a sua, o que o leva a crer que conseguirá gerir a nossa?” Ou “Porque saiu do seu último trabalho, tendo em conta que não tinha outra proposta alinhada?”

Isto podem ser perguntas com respostas complicadas: a tua primeira incursão no mundo do empreendedorismo pode não ter dado resultado, podes ter sido despedido do teu último emprego ou ter saído por mútuo acordo. Não são respostas bonitas numa cultura empresarial que idolatra o sucesso, intolerante com as falhas que fazem parte do caminho.

O que farias nesta situação?

Faças o que fizeres, nunca mintas. A mentira tem perna curta e pode deitar por terra não só este emprego como o próximo (o mundo é pequeno!).

Pessoalmente, já fui confrontada com as perguntas do exemplo que dei e em ambos os casos as respostas tinham um potencial nocivo. Em ambos os casos dei uma resposta brutalmente honesta e consegui que me fizessem uma proposta de emprego.

Na realidade estas perguntas são as melhores de se responder porque quando ultrapassas essa dificuldade conquistas credibilidade e ganhas o respeito do entrevistador, especialmente se for o dono da empresa ou um gestor de topo. Este tipo de pessoas sabe que as falhas são indispensáveis ao sucesso e que só não falha quem nunca arrisca nada.

A parte boa deste desafio é que tu conheces o teu percurso melhor que ninguém. Só tu sabes quais os teus pontos fortes e pontos fracos, cabe-te a ti não dares o flanco. Isto faz-se com preparação.

Identifica previamente o teu calcanhar de Aquiles.

Toma nota das questões difíceis que poderão ser colocadas e prepara a tua resposta honesta, dando-lhe o melhor enquadramento possível. Se for um erro no passado, mostra o que aprendeste com isso e como corrigiste no futuro. Se é uma qualificação que te falta para o cargo em causa, mostra como irás compensar com um dos teus pontos fortes.

Na semana passada recebi um email da directora de um Grupo Multimedia aqui no Dubai. Tinha visto o meu CV, e o meu blog e twitter feed despertou-lhe interesse. Perguntou quais as minhas expectativas salariais, dei-lhe o meu intervalo de valores e agendámos uma conversa (aka entrevista).

A função é transversal a todas as empresas do grupo e o core business é o agenciamento de talento, especialmente no mundo da moda (modelos, stylists, fotógrafos, etc).

Ora, acontece que Moda não é de todo um dos meus maiores interesses mas o desafio pareceu-me apelativo, as condições à partida são boas e é uma óptima oportunidade de desenvolver uma rede de contactos aqui no Médio Oriente pois é um grupo líder que trabalha com as maiores empresas.

Fui consciente de que este era um ponto que não jogava a meu favor, e com a minha resposta honesta rigorosamente pensada. Também fui preparada para conduzir a conversa para os meus pontos fortes. A pessoa que me entrevistou é fantástica por isso rapidamente estabelecemos empatia e a conversa fluiu naturalmente. Fiz tantas perguntas quantas as que respondi e chegou a um pouco que ela olhou para as notas dela sem saber o que fazer “well, I don’t know what else to ask, it seems we’ve covered almost everything”…

Mas lá veio a pergunta: “E no que toca à área de Moda propriamente dita, é algo que te interessa?”

Passava bem se a entrevista tivesse terminado ali mas confesso que até me deu algum gozo responder com toda a confiança do mundo:

“Bem, para ser completamente honesta, quando era mais nova sempre fui uma Maria Rapaz, então não é algo pelo qual me interesse espontaneamente. Estranhamente, as minhas melhores amigas em Portugal trabalham todas em moda e é um tema recorrente nas nossas conversas. E uma coisa posso garantir, o meu trabalho está sempre no topo dos meus interesses e nisso empenho-me a 100%. Por exemplo, sempre detestei centros comerciais e compras mas desde que trabalhei na Sonae Sierra que adoro centros comerciais! Do ponto de vista do negócio, claro. Até hoje, sempre que entro num shopping reparo naqueles pormenores que escapam às pessoas normais: a localização estratégica de certas lojas, quão bem enquadrados na arquitectura do centro estão as portas dos corredores técnicos… Mas continuo a odiar ir às compras!”

“A sério? Eu também!!!”

E assim continuámos a conversar naturalmente, passando ao próximo tema.

Atenção que eu nunca disse “não percebo nada de moda” ou “prefiro passar tempo com um bom livro do que com uma revista de moda”. Deves ser transparente mas nunca honesto demais: não te esqueças que te estás a vender portanto não convém diminuíres-te nem insultares a pessoa que está à tua frente.

Sê sucinto a falar do ponto negativo/dúbio, não dês pormenores e passa rapidamente ao reforço positivo com que pretendes fechar a resposta.

Por exemplo, se te despediste do teu último emprego porque tinhas um chefe insuportável, diz apenas que esgotaste as tuas possibilidades de crescimento, era altura de procurar um novo desafio porque não te sentias realizado. Nunca fales mal de um chefe anterior em entrevista.

Uma vez caí no erro de contratar uma pessoa que era perfeita para o cargo mas que falou bastante mal do ex-chefe. Dei-lhe o benefício da dúvida mas inevitavelmente, vim mais tarde a descobrir que ela também falava mal de mim, assim como do director da empresa. Tivemos de despedi-la porque não se enquadrava na equipa. É uma excelente profissional, simplesmente não era um bom match.

Para concluir, resumo os pontos a reter:

  1. Nunca mintas
  2. Identifica o teu calcanhar de Aquiles
  3. Vai preparado para ultrapassar perguntas difíceis com respostas positivas
  4. Sê honesto mas ao mesmo tempo selectivo nos pormenores que escolhes partilhar

 

Rute Silva Brito

Marketing Strategist, Writer & Entrepreneur

Também escreve em rutesilvabrito.com

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Author: admin

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