Há dias surgiu mais uma polémica online que teve eco nos media nacionais, com direito a reportagem televisiva e tudo. Estou a falar do caso Danone.
Para os mais distraídos, a controvérsia incide sobre um anúncio divulgado junto de Universidades oferecendo um estágio curricular na fábrica de Castelo Branco. O anúncio comunicava como oportunidade a possibilidade de realizar a tese de mestrado sobre o tema do estágio, refeições na empresa e, pasme-se, a oferta semanal de uma caixa de 24 iogurtes.
Este caso já foi amplamente comentado mas escrevo este texto porque não li ainda uma opinião que me satisfizesse, apenas comentários extremados.
Num dos extremos temos os jovens (e não só) indignados com “o trabalho escravo” a troco de iogurtes.
A Danone tornou-se no bode expiatório para todas as situações de precariedade e exploração que se vive em inúmeras empresas que geram negócio com trabalho não remunerado, em permanentes esquemas de rotatividade de estagiários.
Ora, acontece que este não é o caso. Estamos a falar de um estágio curricular. Daqueles que só duram 3 meses, fazem parte da formação e muitas vezes são obrigatórios para a conclusão do curso.
Tenho a Danone em boa conta. O único contacto directo que tive com a empresa foi precisamente enquanto estudante universitária: tinha um trabalho de grupo para Marketing Operacional em que tínhamos que simular uma apresentação de vendas e escolhemos a Danone como a marca a trabalhar.
Fomos à sede da empresa no Parque das Nações (sem hora agendada) e pedimos para falar com alguém do departamento de marketing, para ver se nos podiam ceder algum merchandising / materiais de ponto de venda para decorarmos a sala. Esperaríamos o tempo que fosse preciso.
Fomos recebidas passados poucos minutos por um Gestor de Produto que, com toda a cortesia do mundo, nos levou a conhecer a equipa de marketing, mostrou-nos as instalações e no final deu-nos os materiais que precisávamos e… Iogurtes!
Iogurtes, esses, que foram distribuídos pela plateia antes da apresentação e fizeram um brilharete.
Acham que todas as multinacionais têm este nível de abertura aos estudantes universitários? Uma postura de proximidade, de ensino, de mentorship? Acham que aquele Gestor de Produto era menos ocupado que outros executivos de agendas cheias? Não me parece.
Sim, o anúncio foi infeliz.
Não que oferecer iogurtes a quem lá trabalha seja infeliz, mas incluir isso no anúncio quase como uma contrapartida é um pouco. O que deveria ser “vendido” neste tipo de anúncios é precisamente a capacidade da empresa em formar os estagiários num contexto laboral, de complementar a aprendizagem académica com uma experiência de trabalho real.
O reverso da medalha é o extremo oposto: os adultos que acham que os jovens são mal educados.
Pobres e mal agradecidos, como o disseram Isabel Stilwell e Eduardo Sá no programa Dias do Avesso, da Antena 1. Até concordo em parte com o conteúdo da conversa (embora o tom seja de uma bestialidade incrível), pois sou a primeira pessoa a apontar o dedo aos meus colegas, amigos e conhecidos quando me frustro com o marasmo e passividade que vejo em meu redor.
Mas quando começa a conversa da “juventude”, tiram-me do sério.
Quando vêm as generalizações baratas de toda uma geração, a MINHA geração, a qual inclui pessoas como eu e muitos outros que trabalham no duro e não se conformam com as circunstâncias (criadas por outra geração). Que têm uma postura empreendedora, que arriscam, procuram soluções inovadoras e que muitas vezes são castrados pelo cancro que é a burocracia dentro das empresas.
Poderia estar aqui a apontar o dedo a essa geração de adultos mas não irei cair na mesma armadilha da generalização pois muito tenho aprendido com os mais velhos e não teria evoluído como profissional sem os mentores que tive. Não seria quem sou se não tivesse crescido com o exemplo máximo de integridade, empreendedorismo, suor e ética de trabalho que vi nos meus pais.
O que convém referir é que muitos dos tais adultos que atribuem os males da nossa sociedade a uma geração que, segundo eles, devia era comer e calar, não compreendem que o mundo mudou.
Que a minha geração é a primeira a sair da Universidade para um mercado de trabalho global, onde se tem que competir não com o colega do lado mas com um desconhecido na Índia que faz o mesmo trabalho por uma fracção do preço.
Que não existe tanta margem de erro e a aprendizagem tem de ser mais rápida e permanente. Que nos temos adaptado a um mercado altamente dinâmico e encontrado novas alternativas de carreira que não oferecem nem segurança nem estabilidade nenhuma.
Sejam mentores, não críticos.
Deixemos de nos indignar com iogurtes e com uma juventude que está em fase de adaptação a um mundo que funciona de maneira diferente da Era Industrial para a qual foi educada e formada.
Porque não indignarmo-nos antes com o “voluntariado” do Rock in Rio?
Vejo muito pouca gente a insurgir-se contra – e este sim – o trabalho escravo a troco de concertos. Não vejo boicotes a um dos festivais de música mais lucrativos de sempre, que não se presta a gastar menos de 1% do seu budget em ordenados e ainda tem o selo de aprovação do Estado. Não, pelo contrário, vejo “filas” de 8 mil idiotas a concorrer para 400 vagas. “Ah é para o CV…”
Meus amigos, voluntariado é nas instituições, associações e organizações sem fins lucrativos deste mundo. Voluntariado é, sem selos de aprovação exterior nenhuns, comprarem legumes e pão, fazerem uma panelona de sopa e distribuírem pelos sem-abrigo por quem passam todos os dias a caminho de casa. Uma refeição quente e dois dedos de conversa.
Não dá para o CV, mas faz mais por nós enquanto pessoas que ir ver 25 minutos de Rolling Stones à pala.
Rute Silva Brito
Marketing Strategist, Writer & Entrepreneur
Também escreve em rutesilvabrito.com