“Ah, só com cunhas é que se vai lá!”
Chateia-me mais esta conversa do que as cunhas em si.
Na semana passada escrevi sobre como o mercado de trabalho mudou e como o novo Milénio trouxe com ele novos desafios na procura de emprego que exigem uma abordagem diferente. A crónica, que consiste em sugestões para mudarmos de abordagem, tem como título Ter Um Bom CV Não Chega.
Imediatamente começou a conversa do costume: “pois claro que não chega, também é preciso cunha” ou “olhemos para os exemplos de cima, temos de ser como o Relvas”.
Desculpas, desculpas, desculpas…
Digo “conversa do costume” porque, apesar de nunca colocar os portugueses no mesmo saco, nunca ouvi este tipo de discurso com tanta frequência como em Portugal. E acreditem que a Cunha não é uma patente portuguesa. Não temos o exclusivo.
Há uma palavra árabe que transmite o mesmo conceito mas num nível superior: Wasta.
“Often jokingly referred to by Arabs as Vitamin W, wasta is the magical lubricant that smoothes the way to jobs, promotions, university places and much else besides.”
Vamos então definir o conceito de cunha, começando por dizer o que não é.
Quando um político sai do Governo para a Administração de uma grande empresa fruto de uma transacção ou troca de favores obscura, não é cunha, é corrupção.
Cunha não é o mesmo que networking. Não confundamos as duas coisas. Enquanto que a primeira é uma prática de ética duvidosa, a segunda não só é perfeitamente válida como essencial no mercado de trabalho do século XXI.
Networking é o desenvolvimento de uma rede de contactos, e saber cultivar relações profissionais é uma competência como qualquer outra. E dá imenso trabalho! Não me vou alongar pois deixo este tema para explorar num próximo artigo mas era necessário distinguir os dois conceitos.
Cunha é quando alguém avança na carreira ou consegue um emprego, por exemplo, não por mérito mas sim apenas porque conhece alguém. Pessoalmente, apesar de não ser ético ou justo, não me aquece nem me arrefece.
Tens uma cunha? Bom para ti.
Aproveita a oportunidade, mas é bom que te faças à estrada porque mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo. E a mentira aqui é o facto de estares num cargo para o qual não és qualificado.
Sim, há algumas empresas onde o factor C é um cancro. Já todos tivemos de lidar com aquele incompetente que só atrapalha e impede as coisas de avançarem mas que está lá porque “tem as costas quentes.”
Isso é certamente um problema para as pessoas envolvidas. Mas, na minha opinião, o maior problema das Cunhas em Portugal é usar-se a excepção para fazer disso regra, utilizando-a como justificação para a inércia.
Nunca precisei de cunhas para avançar na carreira ou conseguir um emprego.
Da mesma forma, nunca deixei que as cunhas dos outros determinassem as minhas circunstâncias. Nunca usei as cunhas dos outros como desculpa para não fazer nada.
Nunca usei as cunhas como sinónimo de que “não é possível” pois todas as evidências mostram que é possível. Nove em cada dez milionários nos Estados Unidos começaram sem nada.
Se queremos “exemplos vindos de cima”, temos inúmeros casos. Vamos olhar para Miguel Relvas? Tenho padrões um mais elevados, perdoem-me.
Talvez melhor que olhar para cima, onde os exemplos são ainda um sonho distante, seja olhar para o lado, para pessoas como eu e tu.
Pessoas que não estão se desculpam com a cunha alheia e que fazem coisas. Pessoas como aquele “puto” que há 3 anos atrás começou uma conferência anual considerada um dos melhores eventos de Start-Ups na Europa.
Um miúdo de 19 anos, que não tem o problema das cunhas.
Rute Silva Brito
Marketing Strategist, Writer & Entrepreneur
Também escreve em rutesilvabrito.com