Era uma vez um português e um chinês…

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É sempre ingrato começar uma crónica, seja onde for. Tendo um repertório de cronistas muito bom, com temáticas que nos levam a assuntos do quotidiano e não só, acho que esta coluna é  uma parcela essencial no crescimento de um projeto como o ICote. Escolhi o nome “Estórias d’outro milénio” por ser apreciador nato de estórias da história, fascinar-me facilmente por tempos que não vivi e por pessoas que jamais conhecerei. Por outro lado, parecendo que não, nasci noutro milénio, antes de 2000 – ainda me faz confusão pensar que há adolescentes que nunca vão saber o que é o escudo.

O Primeiro Ministro, Cavaco Silva, na Cerimónia da Assinatura da Declaração Conjunta Luso-Chinesa (1987)

Indo de encontro com o assunto da emigração, há um episódio pouco conhecido que me apraz a alma de tão português que é (orgulho-me do país, pessoas, cultura e tradições, não me orgulho de quem nele mandou e continua a mandar). Foi há cerca de 500 anos, mais propriamente no ano de 1517, que Fernão Pires de Andrade, chefe de uma expedição lusa com destino à China, conseguiu negociar com os mandatários asiáticos de Cantão (ou Guangzhou) a entrada do então embaixador português Tomé Pires em Pequim, estabelecendo uma feitoria em Tamau. Com muita dificuldade e alguns chineses resignados, lá conseguimos colocar uma bandeira (e esta não estava ao contrário) no outro lado do mundo. Tudo corria de feição, não fosse Simão de Andrade, irmão do embaixador Tomé Pires, ter tentado atacar barcos chineses, construindo uma fortaleza em Tamau, combatendo as pequenas embarcações de madeira dos locais de forma atarantada e néscia. Então, o imperador chinês da dinastia Ming mandou prender e executar Tomé Pires, proibindo o comércio com os portugueses.

Apesar de tais ordens imperiais, os portugueses, sempre com olho para o negócio, continuaram a sua atividade, subornando os chineses com dádivas, permitindo, assim, que os lusos se acomodassem, cada vez mais, na ilha de Sanchuão (o nome não é estranho), onde morreria, anos mais tarde, São Francisco Xavier. A comunidade foi crescendo, chegando, em 1545, aos 3 mil habitantes, estabelecendo-se, também, em Liam Pó. Mas, novamente, um dos moradores dessa ‘mini-sociedade’ voltou a impugnar-se contra quem lhe deu casa e trabalho, irritando os 60 mil chineses que lá habitavam, que, em apenas 5 horas, destruíram tudo o que estava ligado a Portugal. Não obstante destes dois problemas, os portugueses voltaram a tentar fixar-se, a meio do século XVI, em Chin-Cheu, mas, mais uma vez, foram expulsos desses territórios.

Isto tudo para demonstrar que os conquistadores portugueses sempre foram muitos, sempre foram longe, mas nem sempre foram bons. Hoje, há compatriotas nos quatro cantos do mundo, alguns descendentes dos supra descritos, pisando terras que, outrora, serviram de tumulto para os porta-estandartes nacionais. Se houvesse outro mundo pronto para habitar, acredito que a bandeira portuguesa, ou da Expo ’98, estaria hasteada numa qualquer rua e a camisola do Ronaldo numa qualquer soleira da janela a secar até ao próximo jogo da seleção.

 

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